Eu sou o cigarro que te tirou a liberdade. Só me obedecerás a mim ou a algum dos meus substitutos, como o "charuto ", o "cachimbo ", etc.
II
Carregar-me-ás entre os dedos ou entre os lábios, muito embora eu tenha nicotina, arsénico, formol, etc. - VENENOS terríveis para a tua vida.
III
Serás inconveniente nos carros, nos autocarros, nos elevadores, nos comboios e em todo o lugar onde houver pessoas que não me tolerem, lançando-lhes no rosto a minha fumaça e nos olhos e no vestuário, as minhas cinzas.
IV
Serás a causa de mais de cinquenta por cento dos incêndios em que se perderão muitas vidas e se consumirão milhares de euros alheios.
V
Haverás de suportar o meu cheiro fétido por onde quer que andares, pois ele estará na tua boca, nas tuas mãos, na tua mesa de trabalho e nas roupas que usares.
VI
Não me abandonarás, ainda que certos médicos, obedecendo à voz da consciência, te disserem que, por minha causa, morrerás de ataque cardíaco, úlcera no estômago ou duodeno, cancro pulmonar, ou tossirás a vida inteira.
VII
Dirás a todos que te chamarem de "viciado" que me fumas "por divertimento", se bem que, para me fumares, tenhas sacrificado a tua saúde, o paladar de saborosos alimentos e, muito mais ainda, tenhas ferido o teu amor-próprio, pedindo-me a estranhos (e eu sei que não gostas de pedir coisa nenhuma).
VIII
Roubarás do teu patrão o tempo de uma hora ou mais por dia de acordo com o teu nervosismo e o grau de escravidão que te imponho, usando para isso o pretexto de ir a um "cafezinho ", ou às instalações sanitárias.
IX
Farás comigo todas as poses, todas as momices, todos os trejeitos, que julgares necessários ao teu snobismo e à tua falta de domínio próprio; e, para completares essa "falsa importância pessoal", fumar-me-ás numa bonita piteira ou carregar-me-ás numa carteira banhada com ouro.
X
Detestarás a religião que me combater, porque (isto fica entre nós), sou o teu "deus" e o dono exclusivo da tua vontade e faço de ti o que bem entendo; mas abraçarás, se desejares figurar entre os pseudo-religiosos, a religião que não se importar com a obediência que me deves prestar, nem com o exemplo que darás às crianças e adolescentes, induzindo-os a também se tornarem meus adoradores.
Dorival Soares Ramos
«Sete ofícios do fumador…
Coveiro moribundo de um cemitério de beatas; Prisioneiro ansioso dos eternos segundos de abstinência; Soldado disciplinado da vontade desenfreada; Médico consciente das premissas que omite; Advogado de defesa do vício “inocente”; Psicólogo atento dos pulmões sofredores; Sacerdote crente que é “o último cigarro”.»