quarta-feira, 9 de maio de 2018


AMADO  INIMIGO

       Decidi estudar Teologia em 1948, ano em que os comunistas tomaram a Tchecoslováquia. Três anos depois, enquanto me preparava para prestar os exames finais no Seminário da Universidade Charles, em Praga, os comunistas proibiram todas as atividades da Igreja Adventista no nosso país. Confiscaram todas as propriedades da igreja e me vi forçado a abandonar os estudos.
       Passei os dois anos seguintes trabalhando num acampamento militar e outros dois no exército, como civil. Quatro anos depois, a igreja conseguiu permissão para retomar as suas atividades, ainda que de maneira limitada, e desde então pude trabalhar como Pastor. A partir de 1968, quando começou a chamada "Primavera de Praga", promovida por Alexandre Dubchek, trabalhei como editor da revista Sinais dos Tempos em língua tcheca durante dez anos.
       Em março de 1978, fui chamado pela polícia estatal (o equivalente tcheco da KGB) para pedir-me que colaborasse fornecendo informação sobre os visitantes estrangeiros, a vida dos crentes, atividades da igreja, etc. Quando me neguei, submeteram-me a uma série de interrogatórios, que duraram várias horas. No final, proibiram-me de trabalhar como editor.
       Durante seis meses, não consegui trabalho em parte alguma, pois ninguém me empregava por ordem da polícia estatal. Finalmente, em fevereiro de 1979, comecei a trabalhar como técnico num hospital.
       O diretor médico do hospital, um reconhecido urologista, não era comunista e conseguiu-me um trabalho melhor. Um ano depois, fui nomeado administrador da instituição, e minha esposa foi admitida como recepcionista.

Uns dias antes do Natal, informaram-me de que um alto oficial do Estado ia dar entrada no hospital. No dia seguinte, minha esposa contou-me que, enquanto anotava os dados desse paciente, ele lhe pedira um favor que a deixou muito surpresa. Disse que tinha com ele uma grande quantidade de dinheiro vivo e pediu à minha esposa que o depositasse no banco. Ela fez o que o homem pediu.
Poucos dias depois, fui visitá-lo para ver se estava tudo bem. Mencionou que teria de passar o Natal no hospital e queria saber se tínhamos planos de servir sopa de peixe na ceia do dia 24, segundo a tradição tcheca. Quando lhe expliquei que não seria possível, pois não haveria quantidade suficiente para todos os pacientes, disse com tristeza:
- Será meu primeiro Natal sem peixe.
À noite, comentei o assunto com minha esposa e decidimos preparar-lhe a sopa, peixe frito e uma salada de batatas para sua ceia. Assim, na tarde de 24 de dezembro, entrámos no seu quarto levando uma pequena mesa com sua comida predileta e umas bolachas. O homem ficou surpreso e profundamente comovido.
Dias depois, passei novamente pelo quarto do oficial antes de ir para casa. Ele convidou-me para me sentar na beira da sua cama, dizendo que me queria fazer uma pergunta:
- Porque fez tudo isso por mim?
- É que vi sua tristeza quando me disse que seria o seu primeiro Natal sem peixe - respondi.
- Quanto tempo o senhor está aqui como diretor da clínica?
- Uns seis meses. Antes trabalhei como assistente.
- E antes disso?
- Fui editor de uma revista.
- Que tipo de revista?
- Certamente o senhor não conhece - afirmei. - É uma revista religiosa.
- Como se chamava a revista? - insistiu.
Quando eu disse o nome, Sinais dos Tempos, ele olhou-me com espanto.
- E como o senhor se chama?
- Drejnar.
- O senhor é Drejnar? O senhor foi pastor em Plezen e depois trabalhou em Ostrava. Como está agora aqui?
Agora era eu o assustado. Antes de responder à sua pergunta, indaguei:
- Como o senhor me conhece e sabe onde eu trabalhei?
- Desde jovem, sou um comunista fervoroso - disse. - Quando subimos ao poder em 1948, decidi que lutaria, em nome do Partido, contra todas as igrejas. Cheguei a ser chefe do departamento encarregado dessa luta pelo Estado. Tomámos a decisão de fechar gradualmente as igrejas para erradicar por completo o cristianismo. A primeira igreja que escolhemos foi a sua, a Igreja Adventista.
- Para conseguir nosso objectivo - prosseguiu - era necessário conhecer bem a vida de seus membros. Por isso, consegui um exemplar da Bíblia e um hinário adventista. Naquela época, eu vivia no sul do país, onde ninguém me conhecia. Comecei a assistir aos cultos em diferentes lugares. Em cada igreja sempre me davam calorosas boas-vindas. Fui convidado a visitar várias famílias e chegámos a ser bons amigos. Conheci muita gente. Compreendi que realmente eram pessoas boas e que sofreriam muito se destruíssemos a sua igreja. Mas pareceu-me que não havia outra alternativa; a religião era considerada um impedimento para o progresso e deveria ser eliminada.
- Porém, quando proibimos as atividades de todas as igrejas em 1952, descobrimos que havíamos cometido um grave erro, pois assim não poderíamos mantê-las tão facilmente sob vigilância. Em um povoado onde antes havia só uma grande igreja, passou a haver 10, 15 ou 20 pequenos grupos, que se reuniam secretamente em diferentes lares. Foi impossível controlá-los. Por isso, voltámos a autorizar as atividades eclesiásticas quatro anos mais tarde, quando cheguei à chefia do departamento de administração da polícia secreta que vigiava a sua igreja.
- Trabalhei ali durante muito tempo, até uns dois anos atrás, quando fui transferido para outro cargo.
Após uma pausa, ele acrescentou:
- Contei-lhe sobre mim. E quanto ao senhor? Diga-me porque se encontra trabalhando nesta clínica e como chegou até aqui.
- Fui chamado pelo Departamento de Segurança do Estado - comecei dizendo.
- Por certo o senhor não quis colaborar - interrompeu - e por isso terminou aqui...
Não houve necessidade de acrescentar mais nada. Uns instantes depois, quando me despedi, ele disse-me:
- Sr. Drejnar, contei-lhe que tive uma Bíblia e que a levava quando visitava a Igreja Adventista. Mas devo confessar-lhe que jamais a li. Seria possível que o senhor trouxesse sua Bíblia algum dia para ler algo para mim?
- Por que algum dia? - disse-lhe. - Podemos fazê-lo agora mesmo. Tenho uma Bíblia no meu escritório. Vou buscá-la.


       Liguei da minha sala para minha esposa e expliquei-lhe que ia ter uma conversa muito importante e que, sem dúvida, chegaria tarde. Fui até ao oficial e li as seguintes palavras: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigénito, para que todo o que n'Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." João 3:16.
       - Este é um breve vislumbre do caráter de Deus - disse-lhe.
       A seguir, li uma passagem que fala sobre a condição humana: "Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho; mas o Senhor fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos." Isaías 53:6.
       Ao ler estas palavras, vi que os seus olhos se encheram de lágrimas. Esses não foram os únicos versículos que repassámos naquela tarde. Nossa conversa se prolongou e no final perguntei-lhe se podia orar com ele. Aceitou com alegria.
       Haviam diagnosticado um cancro no nosso novo amigo e, lamentavelmente, sua doença não retrocedeu. Minha esposa e eu o visitávamos quase todos os dias, líamos a Bíblia e orávamos com ele.
       Depois de um tempo, ele também começou a orar. Jamais esquecemos a sua oração quando confessou sua animosidade contra Deus, pediu perdão e agradeceu a segurança da sua salvação.
       Uma sexta à tarde, em meados de setembro, passei novamente para me despedir.
       - Minha esposa e eu vamos para casa - disse-lhe. - Mas nos veremos segunda pela manhã.
       - Não - ele afirmou. - Não nos veremos na segunda.
       Perguntou se podia chamar minha esposa para orar com ele mais uma vez. Quando Maja entrou, peguei sua mão e orámos. Dei graças a Deus porque não me estava despedindo de um inimigo de Deus e de Sua Igreja, mas de um amado em Cristo, e porque voltaríamos a nos encontrar num lugar onde não haverá mais morte nem dor. Então acrescentei:
       - Voltaremos a nos encontrar, meu querido irmão, e certamente será logo.
       Quando chegámos na segunda pela manhã, a enfermeira nos disse que nosso amigo havia morrido, não muito depois da nossa última conversa.

História extraída do livro TRANSFORMADOS POR SEU AMOR - Histórias Incríveis da Vida Real de Loron T. Wade. Casa Publicadora Brasileira, Tatuí - SP - Brasil. Pode comprar na Publicadora SerVir, Portugal.

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Prólogo do Livro

Este livro chama-se Transformados Por Seu Amor, mas poderíamos intitulá-lo Transformados Por Seu Poder, porque o amor é poder.
Os estudiosos da energia atómica acreditam que esta é a maior força do Universo. Como evidência, assinalam a enorme destruição produzida pela fissão de uma mínima quantidade de material radioativo.
Em certo sentido, eles têm razão. Mas toda essa energia, toda essa força bruta, não consegue tocar o ser humano em sua maior necessidade, porque não é capaz de transformar a sua vida ou infundir-lhe paz e calma em meio à tempestade. Este livro trata desse imenso e maravilhoso poder, que escapa à compreensão do materialista.
Onde entra o amor, tudo muda. E quando se desenvolve, verdadeiramente, o resultado é assombroso. Essa palavra aparece várias vezes neste livro, pois frequentemente os indivíduos que foram tocados pelo amor de Deus expressam o seu assombro. Usam esse termo para confessar que são incapazes de explicar a experiência que viveram e para assinalar o caráter surpreendente e inesperado dos eventos que transformaram a sua vida.
Mais do que meras histórias, estes relatos são testemunhos do grande amor de Deus. Pat Grant o expressa assim: "Maravilhado, fico sem palavras ao imaginar o semblante de um Homem tão poderoso e ao mesmo tempo tão simples e humilde que Se dignou a me buscar somente para me fazer compreender que a vida que eu levava não era para mim."
Assim, com a confiança de que estas comoventes histórias o animarão, colocamos em suas mãos seu precioso conteúdo." Loron T. Wade
(Livro maravilhoso! EE)


TOMA O MEU CORAÇÃO, SENHOR JESUS!!!