sábado, 7 de novembro de 2015

O DEUS DA BÍBLIA


"Uma mente finita só compreende o que lhe é revelado."

"A paz, se possível, mas a Verdade, a qualquer preço." Martinho Lutero

"As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei."
Deuteronómio 29:29


Conheça Dez Razões Para Crer Na Trindade

O mundo cristão vive novamente um intenso debate sobre a melhor maneira de entender o Deus da Bíblia. Desde o 4º século, quando houve uma enorme polarização em torno da divindade e do status de Cristo e do Espírito Santo, não se via tanto interesse no assunto da Divindade. Há uma verdadeira renascença na área da "trinitologia", para criar uma palavra. Os especialistas creditam o início do moderno interesse pela Trindade a dois grandes teólogos chamados Karl - Larl Barth (1886-1968), e Karl Rahner (1904 - 1984).

     No momento, a Igreja Adventista do 7º Dia enfrenta a acusação por parte de um grupo minoritário, de que ela se distanciou do ensino dos pioneiros e adoptou uma doutrina não bíblica. O que é que há de verdade nisso?
     Com relação à 1ª parte da afirmação, não precisamos de gastar espaço aqui: sabe-se há bastante tempo que pioneiros como Tiago White, Uriah Smith e John Loughborough eram antitrinitarianos. Alguns deles tinham vindo de igrejas que não aceitavam a Trindade, como a Conexão Cristã, e ainda defendiam esse ponto de vista. Porém sabe-se também que eram defensores da verdade progressiva e que a igreja começou a mudar a sua posição ainda no fim do século XIX, especialmente por influência de Ellen White.
     Para os Adventistas (e evangélicos) que têm a Bíblia como única regra de fé e prática, a grande questão é se a doutrina da Trindade tem uma base bíblica sólida ou não. Se não tem, deve ser abandonada; se tem, deve ser defendida e aprofundada. Considerando que a Bíblia não faz nenhuma declaração directa, explícita e indiscutível sobre o assunto, temos que trabalhar com os dados e as evidências disponíveis. Que o tema é complexo, ninguém discute. Agostinho (354-430), influente teólogo cristão, já dizia, a brincar, que quem nega a Trindade corre o risco de perder a salvação, mas quem tenta entendê-la corre o risco de perder a mente!
     Os teólogos que crêem na Trindade estão divididos quanto ao nível de presença do tema na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento. Para Roger Olson e Christopher Hall, autores do livro The Trinity (Eerdmans, 2002), a igreja desenvolveu o tema porque ele aparece na Bíblia. "Se não fosse o testemunho bíblico enraizado na própria história da salvação, a igreja, à medida que se desenvolvia, teria tido pouca motivação, necessidade ou desejo de desenvolver um modelo trinitário de Deus", sugerem eles. "Embora a palavra Trindade não apareça na Bíblia, há evidência de que o conceito é bíblicamente apoiado no Antigo Testamento."
     No seu livro The Tripersonad God (Paulist, 1999), Gerald O'Collins observa que "Sabedoria", "Palavra" e "Espírito" aparecem no Antigo Testamento como "vívidas personificações" ao mesmo tempo "identificadas com Deus" e "distintas de Deus". Os três são "agentes personificados da actividade divina", "ainda não reconhecidos formalmente como pessoas", mas operando "com características pessoais".
     Alguns identificam a "Sabedoria" com a "Palavra" (o Filho, Cristo) e outros com o Espírito. De modo que, juntamente com o Pai, formariam uma proto-trindade. "O Antigo Testamento contém, por antecipação, categorias usadas para expressar e aprofundar a Trindade", pensa O'Collins.
     Eu diria que a tri-unidade de Deus, com base num monoteísmo dinâmico, é sugerida no Antigo Testamento, evidenciada no Novo Testamento e desenvolvida ao longo da história da igreja. A matéria-prima está na Bíblia, mas a teoria veio depois. Naturalmente, seria necessário um enorme livro para justificar e documentar essa afirmação. Mas os factos e argumentos apresentados a seguir ajudarão a firmar a nossa confiança no ensino bíblico.

EVIDÊNCIAS BÍBLICAS

Algumas fortes evidências em favor da Trindade vêm do próprio Antigo Testamento. Outras encontram-se no Novo. Vamos começar pelo Antigo. Isso mostrará que a formulação posterior do ensino da Trindade não contraria a revelação inicial.

1. A Combinação de Nomes de Deus no Plural Com os Verbos no Singular Sugere uma Unidade Plural.
     Se os escritores do Antigo Testamento quisessem fechar totalmente a porta à interpretação de que Deus é uma unidade plural, poderiam ter usado apenas as palavras El, Elah, Eloah e Adoni, que são nomes singulares, em vez de Elohim e Adonai, que são formas plurais. Mas não foi isso que fizeram. Na verdade, como lembra John Metzger, autor de The Triunity of God Is Jewish (Cenveo, 2005) "eles usam uma palavra plural na vasta maioria das vezes."
     Elohim, por exemplo, é usado cerca de 2600 vezes para Deus/deuses. Desse total, 2350 vezes o termo refere-se ao Deus de Israel. Como observa Metzger, isso "é muito mais vezes do que os usos no singular de El (258 vezes), Elah (95) e Eloah (58)". Depois da palavra 'filho' (ben), Elohim é o substantivo que mais aparece no Antigo Testamento. Trata-se de um nome genérico para Deus e é empregado 930 vezes em combinação com Yahweh. O interessante é que, em todos esses casos, Elohim aparece com o verbo no singular. Em Génesis, o texto literal do hebraico diz: "No princípio, Deus (plural) criou (singular)."
     Quando a referência é aos deuses falsos, que são muitos, os autores e tradutores usam o verbo no plural. Mas com relação a Deus, que é um, usam no singular. Parece que, ao permitir que os escritores bíblicos usassem essa fórmula de substantivo plural/verbo singular, Deus estava a dizer algo sobre a Sua natureza - uma Divindade formada por várias pessoas. Deus está acima da gramática, fazendo o plural combinar com o singular, e acima da matemática, fazendo três serem um. Filosoficamente, portanto, a ideia de uma unidade complexa e indivisível tem apoio bíblico.

2. O uso do pronome "nós" em referência a Deus sugere a pluralidade na Divindade.
     Na verdade, Deus usa o "nós" apenas quatro vezes (Génesis 1:26; 3:22; 11:7; Isaías 6:8), mas os casos são significativos. Se a Divindade é formada por uma pessoa apenas, porque teria Deus usado a primeira pessoa do plural (nós)? Várias explicações têm sido sugeridas: plural de majestade, plural abstracto de grandeza e majestade, plural de intensidade, plural de universalização, plural para destacar exclusividade, plural de deliberação consigo mesmo, plural que inclui o conselho ou a corte celestial (não outras pessoas da Divindade). Será que essas explicações são convincentes?
     A explicação mais divulgada é que esse "nós" se refere a um plural de majestade, não a uma pluralidade real. Por exemplo, a rainha de Inglaterra diz "nós", mas, na verdade, quer dizer "eu". O problema com essa explicação é que ela se refere a um costume moderno. Essa prática parece estranha à Bíblia hebraica e ao mundo do antigo Próximo Oriente. Na Bíblia, os reis de Israel e Judá usam o singular (eu) e não o plural (nós).

3. Os casos em que aparecem múltiplos Elohim/Yahwehs no mesmo contexto sugerem a existência de pluralidade na Divindade.
     Em Génesis 18, três personagens celestiais aparecem a Abraão em forma humana e comem com ele. A sequência deixa claro que um é Yahweh e os outros dois são anjos. Depois de os anjos saírem para Sodoma, Yahweh e Abraão têm um diálogo sobre a possibilidade de poupar a cidade. O texto indica que Yahweh queria comprovar a situação do povo para o destruir ou não. Então, confirmada a maldade, Génesis 19:24 diz que "fez o Senhor (Yahweh) chover enxofre e fogo da parte do Senhor (Yahweh), sobre Sodoma e Gomorra". Aparentemente, um Yahweh na Terra enviou fogo da parte do outro Yahweh no Céu.
     No Salmo 45:6,7, uma passagem messiânica, há referência a dois personagens divinos. Um ser chamado Elohim fala de outro Elohim, ou seja, Deus chama Deus ao Messias/Ungido. Outros textos que parecem indicar a existência de mais de um ser chamado Yahweh são Isaías 44:6, Oseias 1:7 e Zacarias 2:8, 9, mas não temos espaço para os comentar.

4. Referências a Deus usando verbos/modificadores no plural sugerem pluralidade na Divindade.
     Abraão, Jacob e David referiram-se a Deus usando verbos ou modificadores no plural. Em Génesis 20:13, Abraão diz literalmente: "Quando Deus (Elohim) me fizeram andar errante." Em Génesis 35:7, falando de Jacob, a tradução literal seria: "Deus (Elohim) Se lhe revelaram quando fugia da presença do seu irmão." Em 2 Samuel 7:23, de maneira literal, David afirma: "a quem Deus (Elohim) foram resgatar para Eles mesmos."
     Se o padrão geral, como vimos, é usar a palavra Deus no plural e o verbo no singular, por que razão esses autores/personagens se referiram a Deus como se fosse uma pluralidade? Para a mentalidade hebraica, talvez a ideia da pluralidade interna do Deus único fosse conhecida e aceitável. O monoteísmo radicalmente estrito, no sentido de não aceitar complexidade em Deus, pode ter sido um desenvolvimento posterior.
     Um pormenor pouco lembrado é que o hebraico, assim como o árabe, tem a forma dual. O dual indica plural, mas apenas no sentido de "um par" formado por dois objectos ou seres. Porém, em referência a Deus, nunca é usado o dual, o que indica que se Deus é uma unidade plural, tem que envolver mais de duas personalidades.

5. A existência do Mensageiro (Anjo) de Yahweh que fala/age como Yahweh sugere pluralidade na Divindade.
     O Anjo do Senhor é mencionado 56 vezes no Antigo Testamento e o Anjo de Deus, dez vezes. Em várias passagens, o Anjo de Yahweh aparece como distinto de Yahweh e, depois, fala na primeira pessoa como se fosse Yahweh. Isso fica claro, por exemplo, em Génesis 22, Êxodo 3 e Juízes 6. Em Juízes 2:1, surpreendentemente, esse anjo chega mesmo a dizer que tirou o povo de Israel do Egipto e fez aliança com Israel. Sabemos que foi Deus (Yahweh) quem fez essas coisas. Conclusão: o Anjo de Yahweh é um Yahweh distinto de Yahweh.
     Num artigo recente intitulado "The Identity of the Angel of the Lord", publicado na revista Hiphil, Mart-Jan Paul sugere que esse anjo não era especial e que apenas representava o Enviador (Yahweh), não apenas em palavras, mas também na aparência. A ênfase estaria na mensagem do Enviador divino, não no mensageiro. No entanto, parece que esse Anjo tinha algo mais. Em Êxodo 23:21, Yahweh diz que o Seu nome está no Anjo do Senhor. Isto significa que o Anjo de Yahweh tem a glória, o poder e a reputação de Yahweh (ver Isaías 42:8). Portanto, é provável que o Anjo de Yahweh seja mais do que um mensageiro "vulgar", que falava em nome de Yahweh.
     O Anjo do Senhor não precisa ser um agente criado, como a palavra 'anjo' pode sugerir. A expressão original, Malak Yahweh significa Mensageiro de Yahweh. Acontece que a Septuaginta traduziu Malak como Aggelos (que é a palavra grega para mensageiro), a versão em latim transliterou aggelos como angelus, e as traduções para o português, seguindo esse uso, passaram a usar anjo.

6. A palavra hebraica usada na Shema para descrever Deus como "um" pode sugerir complexidade na Divindade.
     Deuteronómio 6:4-9 é o grande credo do judaísmo. Era recitado duas vezes por dia pelos judeus devotos. A essência do texto está no verso 4: "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus, é o único Senhor." Outras versões dizem: "o Senhor é um".
Como interpretar a palavra echad (um, único) é a questão. Há várias traduções possíveis. Vou mencionar três: 1) Yahweh é um, no sentido matemático, estrito e absoluto; 2) Yahweh é único, no sentido de que o status de Yahweh diante de outras divindades é singular; 3) Yahweh é uma unidade composta, no sentido de que é um Deus, mas inclui mais de uma pessoa.
     Num excelente artigo académico sobre o assunto, publicado no Journal of the Evangelical Theological Society em 2004, Daniel Block diz que "a questão fundamental na Shema é a devoção exclusiva e total a Yahweh". A tradução mais provável, nesse caso, seria: "Ouve, ó Israel, Yahweh é nosso Deus, Yahweh somente." Block cita a observação de H. C. Brichto de que "uma tradução afirmando que uma pessoa conhecida pelo nome próprio 'é um' seria tão sem sentido no caso de uma divindade como seria no caso de um ser humano".
     Apesar disso, o texto ensina o monoteísmo. Mas, será que a ênfase está na singularidade absoluta de Deus? Não necessariamente. Moisés Maimónides (1135-1204), influente filósofo e erudito judeu medieval, escreveu 13 princípios da fé judaica. No segundo princípio, ele expressou a crença num Deus, mas substituiu a palavra echad por yachid em Deuteronómio 6:4, a fim de eliminar qualquer possibilidade de complexidade em Deus. No entanto, o texto original traz echad, que permite essa possibilidade.
     Segundo Metzger, echad aparece na Bíblia hebraica com três sentidos: 1) uma unidade composta (por exemplo, em Génesis 2:24, echad descreve a unidade entre o homem e a mulher no casamento); 2) coisas e pessoas num contexto plural, mas que não precisam de formar uma unidade composta (por exemplo, em Êxodo 17:12, Arão e Hur sustentam as mãos de Moisés "um (echad) de um lado, e o outro (echad) do outro"); 3) coisas ou pessoas individuais, mas normalmente num contexto em que aparecem dois ou mais itens (por exemplo, em Êxodo 40:17, o tabernáculo foi levantado no "primeiro (echad) dia do mês").
     Assim, como observa Metzger, se Moisés estivesse a ensinar o monoteísmo absoluto, diria: "Yahweh, nosso Eloah (ou El, Deus), Yahweh é yachid (um absoluto)". Mas ele escreveu: "Yahweh, nosso Elohenu (nossos Deuses), Yahweh é echad (unidade composta)". A primeira frase reflecte o pensamento de Maimónides; a segunda, o de Moisés. Portanto, a Shema não elimina a possibilidade de complexidade em Deus.

7. No Novo Testamento, Jesus é apresentado como divino, o que sugere pelo menos uma bi-unidade na Divindade.
     No evangelho de João, nas cartas de Paulo, em Hebreus e no Apocalipse, aparece a cristologia mais alta possível.
João inicia o seu evangelho dizendo que "o Verbo era Deus". Em Colossenses 1:15-17, Paulo atribui a Cristo a criação e a preservação do Universo. São funções divinas. Em Filipenses 2:5-8, o apóstolo fala do esvaziamento e da exaltação de Cristo. O Filho existia na forma de Deus (ou seja, reflectia a plenitude da divindade e exercia todos os poderes de Deus), abriu mão das Suas honras e talvez poderes para redimir a humanidade (tornou-Se ser humano), foi exaltado acima de todo o nome (ou seja, tem o status de Deus, pois o nome mais exaltado do Universo é o de Deus), e deve receber adoração de todos (todo o joelho deve dobrar-se diante d'Ele e reconhecê-l'O como Senhor). Em Hebreus 1:1-4, o autor exalta o Filho como Criador/Revelador/Redentor e diz que Ele é a "expressão exacta" de Deus. Por outras palavras, é Deus. No Apocalipse (1:8,17; 21:6; 22:13), o Pai e Cristo partilham o título de Alfa e Ómega, o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Último. Note que o autor se baseou em Isaías 44:6 e 48:12, onde Deus aplica o título a Si mesmo.
     A expressão preferida por João para ressaltar a natureza divina de Cristo é "Filho de Deus", ou apenas, "Filho". Embora o termo filho fosse usado num sentido geral (por exemplo, Israel é filho de Deus), o apóstolo usa-o num sentido mais técnico. Filho indica igualdade, não diferença, mesmo quando usado num sentido metafórico. Não é por acaso que João (5:18) regista que os judeus queriam matar Jesus porque "dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus". Isso mostra a igualdade essencial do Filho com o Pai. Qualquer filho pertence à mesma categoria do pai. Alguns filhos podem até ter mais destaque do que os pais (por exemplo, Alexandre Magno sobrepujou o seu pai, Filipe, rei da Macedónia).
     Já o apóstolo Paulo preferia "Senhor" para indicar o status divino de Cristo. Além de usar o termo cerca de 180 vezes em referência a Cristo, usou-o também em relação ao Pai. Ele aplicou a Cristo passagens que originalmente falavam de Yahweh. Para citar um exemplo marcante, Filipenses 2:10, 11 é uma elaboração de Isaías 45:23-25, que fala de Yahweh. É importante relembrar aqui que Senhor é a tradução do termo grego Kyrios e Kyrios é a tradução do hebraico Yahweh, o nome pessoal do Deus de Israel. Kyrios é o termo que a Septuaginta (versão grega da Bíblia Hebraica) usa para traduzir Yahweh. Para Paulo, é o Espírito Santo que nos leva a reconhecer que Cristo é Senhor/Kyrios/Yahweh (1 Coríntios 12:3).
     Se não bastasse toda essa ênfase na divindade de Cristo, o próprio Jesus Se apresentou como divino. Em João 10:30, disse: "Eu e o Pai somos um." Em certo sentido, Jesus cria uma nova versão para a Shema, a declaração de Moisés em Deuteronómio 6:4 de que Deus é um. O facto é que Cristo Se identificou com o Pai de tal modo que os líderes judeus entenderam que Ele reivindicava o status divino (João 8).

8. No Novo Testamento, Jesus é adorado como Deus, o que sugere uma reinterpretação do monoteísmo judaico.
     Num artigo publicado na revista académica New Testament Studies, intitulado "The Worship of Jesus in Apocalyptic Christianity", o teólogo Richard Bauckham chamou a atenção para o facto de que, nos escritos judaicos e cristãos, as figuras angélicas recusam a adoração (Apocalipse 19:10, 22:8,9), mas Jesus é apresentado como digno de adoração (Apocalipse 5:6-14). No primeiro século depois da nossa era, figuras angélicas e humanas de destaque no Céu (como Moisés) eram exaltadas. Contudo, não eram adoradas, pois a adoração era reservada exclusivamente para Deus, o que configurava o monoteísmo judaico-cristão. Isso mostra a posição divina atribuída a Jesus. Ele é adorado como Deus, ao lado de Deus. A Sua adoração é legítima, porque Ele é Deus.
     Larry Hurtado fez um estudo monumental sobre a devoção a Jesus no período inicial do cristianismo, intitulado Lord Jesus Christ (Eerdmans, 2003). Segundo ele, Jesus era reverenciado e adorado como Deus, mas não tinha um culto separado. Jesus "é caracteristicamente reverenciado pelos primeiros cristãos como parte da sua adoração ao único Deus da tradição bíblica". Nesse sentido, a adoração a Jesus era diferente da adoração aos deuses do cenário religioso romano. "Há duas figuras distintas, Deus e Jesus, mas nas cartas de Paulo vê-se uma clara preocupação em entender a revelação dada a Jesus como uma extensão da adoração a Deus", escreve Hurtado.
     Alguns acham que a devoção a Jesus como divino surgiu tardiamente e num ambiente gentio. Mas Hurtado demonstra que essa devoção surgiu muito cedo, de forma rápida e no ambiente cristão judaico. Antes de os credos serem elaborados, os cristãos já adoravam Cristo e viviam/morriam por Ele. Como poderia um cristianismo nascido dentro do judaísmo adepto do monoteísmo adorar Jesus? Ele sugere que houve uma reelaboração do monoteísmo para incluir Jesus na identidade do Deus de Israel. O altíssimo conceito de Jesus no meio cristão e as revelações de Deus aos apóstolos permitiram que o cristianismo inicial desse esse passo e redefinisse a sua compreensão de Deus.

9. O Espírito Santo é apresentado na Bíblia como um agente inteligente e distinto de Deus, o que sugere a existência de uma terceira pessoa na Divindade.
     A perspectiva bíblica sobre o Espírito Santo é complexa, mas coerente. Em síntese, o Espírito é apresentado como um agente divino pessoal que possui todos os poderes e as qualidades de Deus. Ele pensa, sente, decide, guia e capacita, para citar algumas das Suas actividades. Tem mente e perscruta a mente de Deus. É identificado com Deus, faz o que Deus faz e pode ser enviado/retirado, o que sugere que é divino e distinto de Deus.
     A Bíblia apresenta duas ênfases sobre o Espírito: uma mais impessoal e metafórica (como vento, chuva e fogo), para destacar o Seu ilimitado poder e múltiplas actuações, e outra mais pessoal e realística (como confortador, representante de Cristo e revelador da verdade), para destacar a presença de Deus/Cristo com os crentes. A ênfase metafórica não deve ser usada para descaracterizar a personalidade do Espírito. No Novo Testamento há uma identificação dinâmica entre Deus, Cristo e o Espírito, sem ofuscar a distinção entre Eles. O Espírito incorpora e representa a personalidade de Deus/Cristo em acção, mas tem personalidade/identidade própria.
     Para a mentalidade moderna, a palavra 'espírito' pode sugerir algo etéreo e imaterial. Mas, a intangibilidade não era a ênfase dos antigos autores hebreus. Na Bíblia ruah (espírito, em hebraico) ou pneuma (em grego) não é apresentado como algo abstracto e imaterial, mas como um princípio de vida poderoso, dinâmico e subtil. A ideia de que Deus não pode ter corpo e forma vem da filosofia grega. Na tradição hebraica, Deus é retratado com uma forma antropomórfica gloriosa. Por isso, é perfeitamente bíblico entender o Espírito como um agente real e tangível. Tanto é que, em Hebreus 1:24, os anjos são descritos como 'espíritos' (pneumata) e, no entanto, têm matéria. O Espírito transcende a corporalidade, mas não é incompatível com ela.
     Quando a Bíblia define Deus como espírito, a ênfase está no poder sem limites e na capacidade de cruzar todas as fronteiras e ser efectivo em todos os lugares ao mesmo tempo.
A realidade infinita, poderosa e irresistível do Ruah/Pneuma divino está em oposição à realidade finita, fraca e vencível da carne (basar/sarx) humana. Esse contraste pode ser visto em Isaías 31:3. O Espírito é o glorioso e poderoso agente divino que permite que Deus esteja efectivamente presente em todos os lugares, sem depender das criaturas.

10. As fórmulas triádicas sugerem a tri-unidade da Divindade.
     No Novo Testamento há várias menções ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo (Mateus 28:18; 1 Coríntios 12:4-6; Romanos 15:30; 2 Coríntios 1:21,22; 13:14; Efésios 2:18; Judas 20, 21). Nos escritos de Paulo, há pelo menos 14 passagens com padrão trinitário, com diferentes ordens/combinações. Essas sequências sugerem uma igualdade em natureza e posição, embora não em função. Se os três aparecem no mesmo plano, então devem pertencer à mesma categoria divina. Além disso, não faria sentido os escritores bíblicos mencionarem duas pessoas reais e um poder impessoal em paralelo. Se o Pai e o Filho são seres pessoais, então o Espírito Santo também deve ser.

A UNIDADE DIVINA

Para concluir, podemos dizer que a fórmula da Trindade é baseada na revelação pessoal de Deus. Karl Barth disse: "Deus revela-Se a Si mesmo. Ele revela-Se a Si mesmo através de Si mesmo. Ele revela-Se a Si mesmo." A revelação de Deus em Cristo é directa/divina. A Sua comunicação connosco através do Espírito Santo é directa/divina. A ideia de um Deus que nos cria e salva pessoalmente, por meio do Filho e do Espírito Santo, faz parte da própria essência do evangelho.

     A nossa compreensão da identidade de Deus é definida pelos eventos temporais, ou seja, as acções divinas entre nós, as quais são evidentemente trinitárias. Querer raciocinar abstractamente sobre o ser de Deus, independente da Sua revelação, é quase um acto de incredulidade e presunção.
     É correcto, portanto, adoptar o paradoxo bíblico de um Deus singular e plural, uno e triúno. Deus não é complicado, mas é complexo. Embora certas interpretações trinitarianas sejam anti-bíblicas, o conceito é bíblico. Longe da rigidez, impassibilidade e atemporalidade das pressuposições metafísicas, a Divindade bíblica é composta por três pessoas reais, eternas e iguais, o que não significa uma simetria absoluta em todos os detalhes.
     Deus é uma sociedade de amor. O Pai, o Filho e o Espírito são distintos, mas não são deuses separados e concorrentes, o que seria triteísmo. Estão unidos por vínculos indissolúveis. São um em natureza, propósito, vontade, poder, amor, posição e glória. Mais do que isso, Jesus disse que podemos tornar-nos um com Deus através da união espiritual (João 17:20-23). Assim, o círculo trinitário de amor é expandido para incluir toda a humanidade.
     Não é fácil entender a complexidade do ser divino, especialmente porque não temos boas analogias disponíveis. Mas isso serve de estímulo para continuarmos a estudar. Se compreendêssemos totalmente Deus, perderíamos o interesse por Ele e pararíamos de crescer. Ao estudá-l'O, a compreensão é ampliada e a teologia refinada. O infinito expande a nossa mente.

Sem dúvida, o Deus bíblico é dinâmico, activo, inclusivo, envolvente e complexo de mais para ser entendido e explicado pela mente humana finita. Diante da Sua infinita grandeza, a última palavra não é teologia, mas doxologia.



Marcos de Benedicto, Editor de livros da Casa Publicadora Brasileira in Revista Adventista, Novembro 2007.
Pode ler mais em: http://centrowhite.org.br/perguntas/perguntas-e-respostas-biblicas/a-trindade-na-biblia/

LOUVOR  AO  TRINO  DEUS


(Gostará de ler mais em Leituras para a Vida, links 1R, 07.11.2015)