segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O ESTETOSCÓPIO



          Não tenho a mínima ideia de quanto tempo fiquei no hospital, pois o tifo afetou a minha memória, e os dois anos que se seguiram me são bastante vagos. Sei que quando as autoridades hospitalares finalmente resolveram que nada mais havia que pudessem fazer por mim, o meu estado físico era lastimável, e, mentalmente, estava em piores condições ainda. Não conseguia andar, mas o Sr. e a Sra. Fisher levaram-me para o seu lar no pequeno posto missionário de Mei Xein. E, embora de quase nada me recorde, lembro-me do carinho com que cuidaram de mim. A Sra. Fisher era enfermeira e aos poucos ajudou-me a recuperar algo da saúde perdida.
          Deixando a casa dos Fisher, fui para Fu Feng, onde fiquei diversos meses na missão da igreja nacional. Meus filhos estavam num orfanato lá, e eu podia vê-los e eles podiam visitar-me. Continuei a pregar nas vilas, mas, como as crianças sonhassem em ter novamente um lar, onde pudessem morar comigo, voltei para Siã.
          Chang Tsi Ni, um evangelista chinês que abrira uma fábrica para dar emprego aos cristãos pobres, estava agora velho e doente, e a fábrica estava desocupada. Fui morar num anexo nos fundos da fábrica com catorze das minhas crianças. Algumas já estavam bem grandinhas e podiam ajudar um pouco. Quando as meninas chegavam aos doze anos de idade, costuravam e remendavam em casa, e ganhavam algum dinheiro. Os meninos, assim que podiam, saíam para trabalhar de carregador ou em algum outro tipo de serviço que pudessem encontrar. Ainda que pouco, nessa época o dinheiro que ganhavam ajudava muito.
          Foi com relação a um dos meninos que tive uma experiência maravilhosa de como Deus responde às orações. Chu En era filho de um Pastor chinês que tinha sido morto pelos japoneses. A sua mãe tentava escapar com os cinco filhos quando caiu gravemente doente, às margens do rio em Yangcheng. Pediram-me que fosse visitá-la, mas era tarde demais. Ela morreu no dia seguinte, e os cinco órfãos ficaram sob o nosso cuidado. Adotei Chu En, e os outros quatro foram recolhidos por diferentes famílias cristãs chinesas. Chu En sempre foi quieto, estudioso, muito inteligente e jamais me deu o mínimo trabalho.
          Ele já estava comigo havia dois ou três anos quando empreendemos aquela terrível jornada pelas montanhas até Siã, mas naquela época ele era o único da família qua ainda estava vivo. Uma das suas irmãs morreu de tuberculose, duas outras crianças tinham sido mortas durante os bombardeios, e o irmãozinho caçula ingressara no chamado "Exército Infantil", que foi dizimado pelo inimigo numa terrível carnificina. Talvez essas horríveis experiências tivessem feito de Chu En um menino sério e judicioso demais para a sua idade. Eu sabia que ele devia ir para a escola e continuar a estudar, mas eu não tinha dinheiro para manter a minha enorme família.


          Então, o menino chamou a atenção de um certo médico, Dr. Tsung, que visitava Siã, o qual me pediu permissão para levar o menino para sua casa, onde providenciaria os estudos para ele. Aceitei a oferta com alegria, e Chu En foi com o Dr. Tsung, para a fronteira de Yenan.
          Decorrido quase um ano, Chu En veio passar connosco o Ano-Novo - o feriado mais importante da China. Estava bem mais alto, e ainda mais sério e educado, e eu me orgulhava de chamá-lo de "filho". Na véspera de voltar para a casa do Dr. Tsung, Chu En surpreendeu-me anunciando calmamente que, assim que fosse possível, pretendia voltar para Yangcheng.

          - Oh, não, não vai, não, Chu En. - Disse-lhe enfaticamente. - Você não pode voltar. Tudo o que conhecíamos e amávamos lá foi destruído; aquilo lá não é mais o nosso lar. Yangcheng está totalmente ocupada pelo inimigo, e não há como voltar para lá.
          Achei que a questão tinha sido resolvida, e no dia seguinte Chu En voltou para a casa do Dr. Tsung. Três meses mais tarde, enquanto me preparava para deitar, percebi movimentos do lado de fora do quarto. Abri a porta e gritei:
          - Quem está aí?
          - Sou eu, Chu En.
          - Chu En! O que está fazendo aqui? Meteu-se em apuros? Você fugiu?
          - Oh, não, não há nada de errado, mas vou voltar para casa.
          - Chu En, resolvemos isso quando esteve aqui no Ano Novo.
          - A senhora resolveu, Mãe. Foi só a senhora quem falou. Lembra-se de que eu nada disse?
          - Talvez tenha sido assim, mas isso não altera o fato de que você não pode ir.
          - Mãe, a senhora lembra-se do que sentiu quando ficou sabendo que Deus queria que viesse para a China?
          - É claro, mas você não pode saber nada disso.
          - Sei, sim, porque Deus falou comigo da mesma maneira. Ele me disse que voltasse para Yangcheng. Ele tem serviço para mim lá.
          Eu não podia duvidar dele, tudo o que me restava fazer era ajudá-lo e orar. Orei pedindo um par de calças e um par de sapatos. O que Chu En pediu, só mais tarde fui descobrir. Os dias se passavam, e eu indagava porque Deus não me ouvira. Nenhum par de calças, sapatos ou qualquer outro material veio parar em nossas mãos. No fim de alguns dias, Chu En disse:
          - Mãe, porque se preocupa com coisas desnecessárias? A senhora não quer orar por aquilo que realmente desejo?
          - Mas você precisa de sapatos e de calças.
          - Eu vim de Yangcheng descalço. Posso voltar da mesma forma. E estas calças ainda durarão algum tempo.
          - Então, por que coisa você quer que eu ore?
          - Um estetoscópio.
          - Um estetoscópio! Nunca ouvi falar disso! O que é?
          - Um daqueles instrumentos com duas coisas que a gente põe no ouvido para ouvir as pessoas por dentro com a outra ponta.
          - Mas onde é que iríamos arranjar uma coisa dessas?
          Chu En meneou a cabeça.
          - Eu não sei, mas Deus sabe.


          Assim, orámos, por algo que eu achava quase impossível obter - um estetoscópio. Passou-se outra semana. Então um dia encontrei na rua uma velha refugiada que achei ter visto na igreja no dia anterior. Parei e dirigi-lhe a palavra.
          - A senhora esteve domingo na igreja dos refugiados?
          - Oh, sim! Eu estive lá.
          - De onde é a senhora?
          - A minha panela está no fogo, venha até ao meu barraco para conversarmos.
Entrámos num barraco diminuto, e sentei-me num banquinho enquanto ela mexia a panela. À medida que os meus olhos se foram acostumando à escuridão, olhei à minha volta. A um canto havia uma caixa velha de madeira.
          - A senhora está olhando para a minha caixa. Trouxe-a de muito longe, de Su Chow. Carreguei-a nos ombros; é muito, muito preciosa.
          - O que ela contém?
          - Como é que vou saber? Não a abri.
          - Então como sabe que é preciosa?
          - Porque pertencia a uma senhora limpa e boa!
          - Quem era ela?
          - Uma senhora veio à nossa vila e falou-nos de Jesus. Oh, ela era asseada, tão limpa e tão boa! O inimigo aproximava-se, mas os homens estavam decididos a fazer tudo para impedir que a nossa boa senhora sofresse qualquer dano. Por isso, levaram-na até uma caverna e esconderam-na, mas ela deixou a caixa em minha casa. Antes dela voltar, tivemos de fugir. Mas eu não podia deixar a caixa da minha querida senhora para o inimigo, por isso trouxe-a para cá.
          - Permite que eu abra a caixa?
          - É claro que não. Quem é a senhora para mexer nas coisas da minha senhora? É parente dela?
          - Sim.
          - Qual é o grau de parentesco?
          - Sou prima, em quinto grau. - Esse é o parentesco que os chineses alegam ter com os que possuem o mesmo nome. Ela olhou-me atentamente.
          - Sim, é bem parecida com ela.
Sacudi a cabeça que sim.
          - Somos todos parecidos, todos fazemos a mesma coisa porque somos do mesmo país.
          - Então, está bem. Pode abrir a caixa.

          Ao abri-la, deparei-me com uma curiosa coleção: comida estragada, peças de roupa, alguns livros e, no fundo, um pequeno estojo de couro. Abri o estojo e mal pude crer no que vi. Em cima, havia um termómetro, uma pinça, uma tesoura, e, no fundo, um estetoscópio! Pegando com mãos trémulas a resposta às nossas orações, falei:
          - A senhora me permite levar isto? Voltarei depois e decidirei o que fazer com as outras coisas.
          Ela olhou para o estranho objeto, e sacudiu afirmativamente a cabeça.
          - A senhora é parente dela. Se essa coisa estranha lhe pode ser útil, leve-a; aqui, não tem utilidade para ninguém.
          Jubilosa, voltei correndo para casa, e, ao ver Chu En no pátio, sacudi o estetoscópio.
          - Deus respondeu às nossas orações.
          Ele agarrou o estetoscópio e apertou-o contra si, enquanto dizia:
          - Agora a senhora acredita que Deus quer que eu volte para Yangcheng?
          No dia seguinte, descalço, e trajando as suas velhas calças, sem alimento e sem dinheiro, mas com o seu precioso estetoscópio, Chu En partiu. Não mais o vi. Três meses mais tarde, recebi um pedaço de papel: "Estou bem; a senhora está bem? Louvado seja o Senhor!" Não trazia nenhum nome ou endereço, mas reconheci a letra de Chu En. Três meses depois disso, recebi um bilhete idêntico. Então, os comunistas tomaram Xansi, e reinou o silêncio. Pensei que Chu En, como muitos outros, tivesse dado a vida pela sua fé.
Cerca de um ano e meio mais tarde, encontrei um homem que falava o dialeto de Yangcheng. Pediu-me que lhe falasse do evangelho.

          - Porque me pede isso?
          - Tudo o que sei é que se a gente aceitar esse evangelho, terá paz e gozo no coração.
          - Mas como sabe disso?
          - Lá no lugar de onde vim, vi nove pessoas serem batizadas no rio. Quando lhes perguntei como tinham coragem de fazer tal coisa, sabendo que os comunistas o proibiam, disseram-me que era porque tinham a Cristo no coração.
          - Mas como sabem a respeito do batismo se ninguém está pregando?
          - Porque existe um jovem sábio, que tem um instrumento estranho com o qual ele escuta e sabe tudo o que está lá dentro. Ele lhes falou de Jesus.
          Então, Chu En ainda estava levando a água da vida às almas carentes, a despeito da oposição do inimigo. Yangcheng, o lugar tão querido do meu coração, ainda tinha uma testemunha. Algum dia Chu En me contará toda a história do estetoscópio, e de como esse instrumento o ajudou naqueles dias terríveis.



Apenas Uma Pequena Mulher, biografia de Gladys Aylward, Editora Vida.
(Mais informação em Leituras para a Vida, 08.03.2012)

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E, no meio dos sete castiçais, um semelhante ao filho do homem... e o Seu rosto era como o Sol, quando na sua força resplandece. Apocalipse 1:13-16.

A aparência de Jesus em Patmos era deslumbrante. Ao vê-l'O, João caiu aos Seus pés, como morto, de puro espanto (Apocalipse 1:17). Jesus não Se parecia com o ser normal que o profeta tinha conhecido na Galileia. Qual era o significado desta esplêndida descrição?
A passagem apresenta Jesus como deslumbrante e impressionante, tal como o anjo do livro de Daniel, capítulo 10. Mas Ele é ainda mais do que isso. Também ostentava as características de Deus. O cabelo como a lã, a comparação com a neve, o fogo flamejante são características do próprio Ancião de Dias em Daniel 7:9. Quando Se chama a Si próprio o princípio e o fim (Apocalipse 1:17 e 18), sem dúvida que Jesus vem a João como o Deus do Antigo Testamento (Isaías 44:6; 48:12). Jesus é verdadeiramente uma 'estrela' em todo o sentido da palavra.
Recordo-me da última coluna que Ben Stein escreveu. Ele cansou-se de ser repórter das estrelas de Hollywood quando percebeu que havia coisas muito mais importantes sobre as quais se entusiasmar. Aqui estão as suas próprias palavras:
"Já não penso que as estrelas de Hollywood sejam assim tão importantes. Geralmente são pessoas agradáveis, amistosas e tratam-me melhor do que eu mereço ... (Mas) como pode um homem ou uma mulher que tem um salário de oito dígitos e vive num luxo louco ser uma estrela no mundo de hoje, se 'estrela' quiser dizer alguém brilhante, poderoso e atraente como figura modelo? As verdadeiras estrelas não andam por aí em limusinas ... e não têm raparigas vietnamitas a cuidar das suas unhas. Podem ser pessoas interessantes, simpáticas mas, para mim, não são heróis. ...
"Uma verdadeira estrela ... é o soldado norte-americano em Bagdad que, ao ver uma menina a brincar com um engenho, numa rua onde estava de sentinela, afastou-a e atirou-se para cima dele na altura em que explodiu. ... Há muitas outras estrelas no firmamento ... os homens e mulheres da polícia que saem em patrulha para bairros perigosos e que não sabem se voltarão vivos. Os maqueiros e paramédicos que transportam pessoas que tiveram acidentes terríveis e as preparam para cirurgias; os professores e enfermeiros que se dão totalmente para cuidar de crianças autistas; as pessoas que trabalham com cancerosos em lares e hospitais. Pense em cada bombeiro que subia as escadas do World Trade Center enquanto o edifício ruía.
Agora já tem a minha noção do que é um herói verdadeiro. ... Deus é real, não é ficção. ... Tornamo-nos mentalmente sãos quando deixamos de ser os diretores do filme da nossa vida e Lhe entregamos, a Ele, essa função. Eu tomei consciência de que a vida vivida a ajudar o próximo é a que interessa. ... Esta é a melhor e a mais elevada forma de alguém ser útil como ser humano."
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Senhor, Eu Quero Ter Jesus Como Diretor Da Minha Vida

ELE  É  O  MEU  VERDADEIRO  HERÓI


* Citado num e-mail de Dan Millen, de 27 de Outubro, 2004.
Jon Paulien in Apocalipse - O Evangelho de Patmos, 23.01.2013.