EDITORIAL
É um facto cultural irrefutável: somos um país de gente que gosta da pinga. Dito assim, de uma forma um tanto brejeira, a frase adquire um tom de anedota que assenta que nem uma luva na figura não menos caricata do Zé Povinho, criada em 1875 por Rafael Bordalo Pinheiro. O 'boneco' boquiaberto, intrigado, de chapéu braguês, com fato coçado e roto, tem mais de 100 anos mas mantém uma actualidade impressionante, continuando a satirizar uma certa mentalidade vigente no nosso povo.
Falo do tradicional fatalismo acomodado que nos caracteriza, no individualismo desconfiado que nos obriga a olhar para os novos valores com alguma suspeição, no apego às velhas tradições que sempre nos impeliu a fazer um manguito ao que é imposto ou sugerido. Somos um país de teimosos. Pois só a teimosia justifica que mantenhamos certos hábitos, embora a evidência nos indique que deveríamos mudar de rumo. E volto ao início, ao "gosto pela pinga", que é exactamente o mesmo que dizer "o excessivo e irresponsável gosto pelo álcool".
Só a teimosia nos cega ao ponto de não vermos os números com olhos de ver. Em Portugal existem 800 mil alcoólicos. Cada português consome, em média por ano, 50 litros de vinho, 61 de cerveja e 7 litros de bebidas destiladas. E se quisermos estruturar os números por faixa etária, sabe-se hoje que, ao nível da Europa, um quarto dos jovens entre os 15 e 29 anos morre em acidentes de viação motivados pelo excesso de álcool. É demasiada gente envolvida para que possamos fechar os olhos a esta realidade. E não basta criar legislação proibicionista e aumentar a fiscalização. De nada serve argumentar que a idade mínima permitida para o consumo de álcool deveria ser 18 anos. Que a taxa de alcoolémia deveria ser mais baixa. Que o aumento do preço de algumas bebidas como a cerveja e a redução do horário nocturno de bares e discotecas, poderiam resolver a questão. Não me parece que seja pela lei que consigamos mudar mentalidades. São séculos e séculos de um hábito socialmente aceite e até incentivado. Não se alteram comportamentos de um dia para o outro.
Por esta altura, certamente farto de ser doutrinado, poderá atirar a grande questão: "E se em vez de constatar e criticar, passasse às soluções?" Bela sugestão. Mas não tenho respostas. Desconheço as técnicas que possam levar a mudança de comportamentos massificados. Assumo que faço parte do grosso do povo que ainda tem os tiques do Zé Povinho, aquele que aponta o dedo, que olha de lado, mas que pouco ou nada faz.
Não bebo. Porque não gosto do sabor que o álcool me deixa na boca e do peso que me exerce na cabeça. Talvez por isso não entenda as motivações de quem procura afogar numa garrafa os imbróglios do dia-a-dia. Mas não pretendo ser juíza de causa alheia nem tenho a veleidade de me colocar em bicos dos pés e servir de exemplo a quem quer que seja. Sem presunção, e porque a época festiva está à porta e os excessos fazem sempre estragos, só quis falar de números. 800 mil portugueses. É muita gente.
As estatísticas sempre me cansaram. Têm a desvantagem de serem frias, desprovidas de rostos. Aposto que pensa o mesmo. Mas faça um exercício mental. Imagine que uma só pessoa desse rol de quase um milhão é um familiar seu. Pai, filho, irmão. Agora pense nas consequências nefastas que o álcool pode acarretar na vida dessa pessoa e na vida daquelas que a rodeiam. Inclua-se a si próprio e verá que os números passarão logo a ter outro significado.
Maria Assunção Oliveira, Médica, Chefe de Redacção da SEMANA MÉDICA, 02 a 08/12/2004.
A VIDEIRA
Existem no mundo cerca de 3000 espécies cultivadas de videira, que produzem um dos frutos mais medicinais que se conhecem. Todas as civilizações antigas da região mediterrânica conheciam a videira e utilizavam-na amplamente.
Tanto o fruto como as folhas e a seiva desta nobre planta possuem abundantes propriedades medicinais e constituem um excelente alimento-medicamento natural, inteiramente isento de toxicidade. Não podemos dizer o mesmo do vinho, produto da degradação e decomposiçãoo do sumo de uva, em cujo processo de transformação perde as suas notáveis propriedades medicinais e se torna numa droga líquida com capacidade para intoxicar, alterar a conduta e provocar dependência.
O sumo de uva é rico em substâncias de elevado valor biológico: açúcares de grande valor nutritivo, proteínas, vitaminas e minerais. O vinho, pelo contrário, perde a maior parte dos açúcares, que se transformam em álcool durante a fermentação, assim como as proteínas e vitaminas. O sumo de uva é alimento e remédio. O vinho, que nada mais é do que o produto da sua decomposição, é destituído de substâncias alimentícias. Pelo seu conteúdo em álcool torna-se irritante para os órgãos digestivos, e em especial para o fígado, mesmo em pequenas quantidades.
Tenha-se em conta que o álcool etílico contido no vinho (de 60 a 120g por litro) é um poderoso veneno para o organismo. Quando o sangue contém 1 grama de álcool por litro, já se verificam sintomas de intoxicação etílica (euforia, falta de domínio mental, perda de reflexos). Um nível de 4-5g por litro de sangue provoca a morte por coma e paragem respiratória. Os valores máximos de alcoolémia (concentração de álcool no sangue) permitidos nos países ocidentais para os condutores oscilam entre 0,2 e O,8g por litro de sangue.
Pondo de parte os elogios de poetas e gourmets, a única propriedade medicinal do VINHO, realmente reconhecida e comprovada, é a antisséptica, quando se aplica externamente sobre as feridas, devido ao álcool que contém. Como tal se usou na antiguidade, e foi recomendado por Dioscórides. É este o emprego que se lhe dá na parábola do Bom Samaritano. Os antigos mitos de que o vinho "faz sangue", ou de que o vinho é bom "para o coração", foram completamente desmentidos pelo progresso científico, como aconteceu com outras plantas e tratamentos antigos.
Sabemos hoje que o consumo habitual de bebidas alcoó1icas produz anemia megaloblástica e miocardiopatia (degenerescência do músculo do coração).
"O vinho, tomo-o nos cachos", dizia Louis Pasteur, o grande cientista francês do século XIX. As propriedades medicinais estão na uva e nas folhas da videira, como a Natureza no-las oferece, e não no vinho. ... O melhor vinho, o autêntico vinho, é o sumo puro do fruto da videira.
Jorge Pamplona, Médico de Gastroenterologia e Cirurgia, extraído de A Saúde pela Alimentação, Enciclopédia de Educação e Saúde
EDITORIAL
Quando um atleta do nosso país alcança um lugar de destaque numa prova desportiva, em despique com atletas de outras nacionalidades, o nosso coração de patriotas vibra de orgulho como se nós próprios tivéssemos ganho alguma coisa. Como nos havemos então de sentir ao constatar que, para grande vergonha nossa, ocupamos na Europa e no Mundo um dos lugares mais negativos que poderíamos ocupar?
Portugal tem o preocupante 1º lugar no consumo de álcool puro, com o valor de 11 litros per capita e por ano.
Existem em Portugal 800.000 alcoólicos crónicos e mais de 1.500.000 bebedores excessivos, estando afectado um quarto da nossa população. O nosso também triste 1º lugar em acidentes de viação reflecte bem essa situação. Que faz o Estado e a sociedade em geral para combater este terrível flagelo? Perante a enormidade do problema somos tentados a afirmar que se faz pouco mais que nada, sobretudo na prevenção junto aos mais jovens. A incoerência da nossa sociedade, como um todo, em relação a este flagelo é grande. Resta-nos a consolação da admirável saga dos Alcoólicos Anónimos (ver Links 3I) em remendar os 'cacos' de tantas vidas desperdiçadas.
Sendo, embora, Portugal e, para grande tristeza nossa também, o país da Europa com mais toxicodependentes (de drogas ilícitas) por milhão de habitantes (40 a 150 mil), esse terrível número, mesmo assim, não tem comparação com o número citado de alcoólicos crónicos e aqueles que estão em vias de ser. No entanto, as iniciativas contra a toxicodependência estão (e bem) na primeira linha de preocupações de todos e fazem as manchetes dos jornais, enquanto não se fala no 1º dos nossos vícios nacionais. Como recentemente lamentou o psiquiatra Cabral Fernandes, especialista em alcoolismo, "enquanto se vê aumentar a capacidade de resposta para tratar toxicodependentes, para tratar o problema gravíssimo do álcool não existem estruturas".
Por outro lado, a SIDA (de que tanto falamos) representa a 57ª causa de morte no nosso país, enquanto o alcolismo se situa no 4º lugar. É certamente importante combater as drogas, que a sociedade considera ilícitas, bem como as suas consequências como a SIDA, a criminalidade e o tráfico que lhes estão associados. Mas porque não se combate do mesma forma o álcool?
A palavra álcool vem do árabe (al-kohol) significando uma coisa "subtil", ou "enganosa", como lhe chama a Bíblia. Karl Marx chamou-lhe até, "o ópio do povo". Porque se consome, então, o álcool? Ele é realmente enganador e essa sua característica tem-no tornado culturalmente importante para o homem quase desde que existe sobre a Terra. O escritor francês Victor Hugo afirmou na sua obra Les Contemplations: "Deus só criou a água, mas o homem fez o vinho".
Na realidade, a água, que compõe cerca de 70% do corpo humano, é a única bebida indispensável e necessária à nossa vida.
O álcool, que entra na composição de tantas bebidas, é perfeitamente enganador nos seus efeitos: não alimenta, finge que aquece, não dá verdadeiras forças, nem sequer é preventivo das doenças cardíacas (virtude que parece existir, na realidade, nos taninos da uva). Pelo contrário, a toxicodependência que provoca, as doenças que desencadeia, a desagregação social que motiva e os crimes que inspira transformam-no no primeiro inimigo da nossa sociedade.
Será a luta contra o alcoolismo uma batalha perdida? É certamente uma batalha muito difícil porque terá de se lutar contra uma cultura vínica, de séculos, que fez o país que somos. No entanto, a Saúde e Lar, com as suas responsabilidades de quase 60 anos de publicação em prol da saúde e bem estar dos portugueses, não poderia deixar de contribuir, mais uma vez, para essa luta.
Este número pretende ser, por isso, uma pedrada no charco da nossa inércia e incoerência nacional. Esperamos que ele ajude a elucidar os nossos Estimados Leitores quanto aos perigos da ingestão das bebidas alcoólicas, em que o mais seguro é, sempre, a Tolerância Zero e que ajude muitos jovens a escolher uma vida saudável, sem álcool. Os jovens são, aliás, a esperança que nos resta.
Com amizade,
Samuel Ribeiro, Médico Pediatra na Grande Lisboa in Saúde e Lar, Dossier Álcool, Novembro 2000, Publicadora SerVir.
Substituiu-o por muita actividade que procura desenvolver ao longo de cada dia. Já lá vão uns meses... e tudo o comprova.
Parabéns Elsa! Não Volte Atrás. Continue no Caminho da Vitória! Tem Deus Também Por Si!
Acredito, Acredito, Acredito...!
QUEM QUISER MESMO - SERÁ CAPAZ! (E. E.)
(Leia também em Leituras Para a Vida, 14.11.12 - Links 1R)