Quem sou eu para o definir e explicar? Ouço a sua pulsação no tic-tac do relógio e fico absorta a meditar nos seus mistérios e implicações, na extensão dos seus domínios, no fatalismo da sua relação com a vida... Inflexível, inexorável, impiedoso - quem pode competir com ele? Ai de mim se não acerto o meu passo pelo seu nos trabalhos e compromissos que me desafiam! Ai do artista que se não deixasse reger pela sua batuta ou que ignorasse as suas marcações nos compassos que se propusesse interpretar!...
O que é tempo? Em vão eu me consumiria tentando transpor a barreira imposta pela queda dos maiores cérebros da História - Adão e Eva. Os mistérios com que me debato estiveram patentes ao seu estudo até ao momento em que o mau uso da divina faculdade do livre arbítrio encontrou espaço para a primeira fatalidade do tempo... Agora, aqui estou eu, sob o fascínio da superfície iluminada do meu globo terrestre, pensando em meridianos e fusos horários, relacionando o tempo com os movimentos da Terra e com o Sol, com factos, espaço e velocidade, evocando o relato bíblico da criação da primeira semana do mundo, limitada pelo marco divino - o Sábado - e o milagre! da sua preservação até aos nossos dias...
Mas tempo é mais, muito mais do que isto!...
Santo Agostinho, certa vez, lançou a pergunta e confessou: "Se ninguém me pergunta, eu sei; se desejo explicá-lo a alguém que pergunte, eu não sei."1 A explicação continuou dramática ao longo dos séculos após a confissão do conhecido teólogo de Hipona, e não ficou mais fácil depois que o genial autor da E=MC² alargou o horizonte científico com as revolucionárias teorias da relatividade. "O tempo não é mais explicado como uma variável uniforme - uma linha extensa de tempo na qual os eventos podem ser localizados - mas o tempo é agora visto como sendo ele mesmo determinado pelos eventos."2
Em breve, quando se escoarem as últimas areias da ampulheta e, vencida a lei da gravidade - o pecado -, alçarmos voo com Jesus através do túnel deslumbrante do Orion, rumo ao Edén restaurado; quando as densas trevas do tempo forem dissipadas pela "luz inacessível"3 da eternidade, então não haverá mais definições obscuras, e intrincadas teorias sobre a Criação, concebidas à margem do Livro do Criador!... "As coisas difíceis de se compreender terão ali explicação."4 Ser-nos-á revelado o "decurso do grande conflito que teve a sua origem antes que começasse o tempo e terminará apenas quando este cessar."5 "Todos os tesouros do Universo estarão abertos ao estudo dos filhos de Deus."6 Todavia, se é certo que aqui ainda não sabemos tudo sobre nada, ali, nunca saberemos tudo sobre tudo, pois "surgirão novas culminâncias a galgar, novas maravilhas a admirar, novas verdades a compreender, novos assuntos a apelarem para as forças do corpo, espírito e alma."7 Teremos a eternidade para o estudo do infinito. Não faltará tempo para o espaço nem espaço para o tempo...
Até lá, continue a picareta do arqueólogo a dilacerar as entranhas da terra e pondo ao sol as pegadas do tempo! Continuemos a recordar com admiração e respeito Albert Einstein - o mágico do tempo, o brilhante cientista que alguns anos antes de descer ao pó - a matéria que tanto o apaixonara! - finalmente reconheceu no universo a presença de "um poder racional superior!"8 Não nos desencantemos do estudo do tempo à luz da física e da astronomia, mas demos prioridade e particular atenção ao que o tempo representa na vida de cada um.
Enquanto permanecermos neste vale de lágrimas, viveremos no tempo e seremos afectados pela sua passagem, quer estejamos na típica aldeia do Piódão, quer na vertiginosa cidade de Nova Iorque. Nem cosméticos, nem cirurgias plásticas ou quaisquer artifícios, poderão confundir o tempo, pois ele não deixa as suas marcas apenas no nosso rosto, na cabeça, quiçá na coluna, mas dentro, bem dentro de nós, para além das artérias, do coração e até da mente - no próprio espírito!
Não tentemos, portanto, driblar o tempo. Não conseguiremos violar impunemente as suas leis. O êxito e o fracasso, a prosperidade e a miséria, a cultura e a ignorância, a saúde e a doença, acima de tudo o nosso destino eterno, dependem mais do que talvez imaginemos do grau de percepção destas realidades. Não teremos saúde se tresnoitarmos, porquanto fomos biologicamente programados para dormir quando escurece e despertar quando amanhece. Não lograremos êxito, qualquer que seja o empreendimento, esbanjando tempo, pois o tempo é um capital de reposição impraticável.
Albert Schweitzer, famoso médico missionário e um dos homens mais notáveis do século XX, disse tristemente, já quase no limite de uma vida de sacrifício e abnegação: "Algumas vezes eu desejo poder ficar parado numa esquina da rua, com o chapéu na mão, a fim de que os transeuntes possam lançar a mim suas horas supérfluas."9
Que faremos, então, para remir a soma de minutos e horas dissipados em conversas frívolas e diversões objectáveis, não considerando os já sobejamente destacados malefícios do uso indiscriminado e intemperante da TV? Que faremos, enfim, para remir as preciosas fracções de tempo sacrificadas no altar da ociosidade, do egoísmo, da vaidade e do prazer? Que faremos, enfim, para remir os meses, quiçá os anos consumidos fora da igreja, no caminho descendente do pecado? Eis o que o Senhor nos diz através de Ellen G. White: "A única maneira de podermos remir o nosso tempo consiste em utilizar o melhor possível o que nos resta, tornando-nos coobreiros de Deus no Seu grande plano da redenção da humanidade."10
Imaginemos o paradoxo de um cristão deprimido, vergado ao peso de amargas recordações, olhos fixos nas pegadas deixadas no terreno do inimigo, mortificando-se, abominando-se - o coração apertado pelo anseio desesperado de remir o tempo!... Ao seu lado há mãos estendidas e olhos suplicantes! Chegam-lhe aos ouvidos gemidos de quem está prestes a sucumbir por não aguentar mais o peso da cruz das suas deficiências ou dos reveses da vida! Almas solitárias, sem Deus e sem esperança, vagueiam entre a multidão que se atropela nas calçadas, e há aleijados do corpo e do espírito dormindo ao relento sob as sacadas dos prédios!...
Se algum dia encontrarmos um companheiro de jornada nessa paradoxal situação, não o apedrejemos com um olhar farisaico; estendamos-lhe a mão e lembremos-lhe com amor fraternal: "A única maneira de podermos remir o nosso tempo consiste em utilizar o melhor possível o que nos resta..."
Envergonhado das suas queixas, ele se levantará decidido a retomar o trabalho em favor dos que perecem - aliás, a melhor terapia para o desânimo e a depressão!
Que diremos mais do valor do tempo? Quanto vale um minuto, uma hora, um dia?... No sofisticado mundo dos negócios, um minuto pode valer milhares, talvez milhões de escudos, mas não é a natureza monetária do valor do tempo que nos preocupa...
Numa sala de cirurgia ou num sector de urgências de qualquer instituição hospitalar, alguns segundos podem significar a recuperação de uma vida ameaçada por uma "paragem cardíaca".
Três ou quatro minutos de afogamento numa piscina chegaram para inutilizar o cérebro de uma encantadora criança de quatro anos de idade, reduzindo-a à mais deplorável condição de vida vegetativa.
Em cada minuto que passa, vinte e quatro seres humanos, dos quais dezoito são bebés, morrem de fome algures no mundo.11
Venha comigo ao "ontem" do tempo e avaliemos a carga de "consequências eternas"12 que pesa sobre cada momento:
A - Para Moisés, o irrepreensível condutor de Israel, o desgosto de não poder entrar na terra prometida foi o resultado daquele momento infeliz em que ergueu a vara e feriu a rocha com irritação.
B - Um brado de triunfo do exército israelita foi o saldo de um curto segmento de tempo, quando a pedra certeira de David derrubou o jactancioso gigante filisteu.
C - Quando o pusilânime Pilatos ressuscitar para rever o "terrível espectáculo"13 da condenação e morte de Jesus, ficará horrorizado ao constatar a dimensão daqueles breves segundos em que lavou as mãos ao declarar-se inocente do Seu sangue.
D - Mas é do Calvário que vem o exemplo mais emocionante: "Senhor, lembra-Te de mim quando entrares no Teu Reino." "Em verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso."14 Num curto lapso de tempo, um pecador, arrependido e justificado, recebe a garantia de viver para além do tempo!
Se pudéssemos prolongar um pouco mais esta viagem através do túnel do tempo, deter-nos-íamos junto aos escombros da velha e romântica Lisboa de 1755, parcialmente destruída por um violentíssimo tremor de terra de natureza profética, em cerca de seis minutos;15 visitaríamos as ruínas de Pompeia, de S. Pedro de Martinica, de Messina... cada uma das quais com um saldo de milhares de vidas sacrificadas em poucos segundos.
Não sei o dia nem a hora em que deixaremos de ouvir a pulsação do tempo no tic-tac do relógio, mas sei que as sombras da noite cobrem a terra e que se aproxima a Hora, tenebrosa para os ímpios, de livramento para os santos.
É quase meia-noite! Após seis mil anos de pecado, sangue, suor e lágrimas, o velho e cansado mundo arrasta-se penosamente para o fim do "tempo do fim".
Brevemente o brado da Cruz: "Está consumado!"16 repercutirá no santuário celestial com uma nova dimensão: "Está feito!"17 Jesus proferirá, então, o solene aviso:
"Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda."18
"Agora, enquanto o nosso grande Sumo Sacerdote está a fazer expiação por nós, devemos procurar tornar-nos perfeitos em Cristo..."19
AGORA é o tempo de nos prepararmos para a Crise que se aproxima!
AGORA é o tempo de confessarmos e abandonarmos todo o Pecado!
AGORA é o tempo de partilharmos a Fé com renovado fervor!
AGORA é o tempo de investirmos liberalmente na finalização da Obra de Deus!
"Então aquela voz, mais harmoniosa do que qualquer música que tenha soado já aos ouvidos mortais, é ouvida a dizer: 'Vosso conflito está terminado'. 'Vinde benditos de Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.'"20
No "amanhã" do tempo, ainda teremos tempo para contemplar as cicatrizes do pecado no corpo de Jesus! As feridas, curou-as o tempo, mas as marcas... nem o tempo, nem a eternidade as apagarão!...
Linda prosa poética com profundas verdades... de Deolinda Correia Leite Borgström, Professora de Música, in Revista Adventista, Novembro de 1990.
Bibliografia:
1 - Niels - Erik A. Andreasen, Tempo Para Viver, p. 2; 2 - Ibid; 3 - 1 Timóteo 6:16; 4 - Ellen G. White, Vida e Ensinos, p. 234; 5 - Ellen G. White, Educação, p. 304; 6 - Ibid, p. 307; 7 - Ibid; 8 - Floyd Rittenhouse, Os Caminhos de Deus, p. 13; 9 - Ibid, p. 85; 10 - Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 342; 11 - William Johnsson, Revista Adventista (Portugal), Fev. de 1990, p. 3; 12 - Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 343; 13 - Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 664; 14 - S. Lucas 23:42 e 43; 15 - Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 303; 16 - João 19:30; 17 - Ellen G. White, História da Redenção, p. 402; 18 - Apocalipse 22:11; 19 - Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 621; 20 - Ibid, p. 644.