O apelo de Romanos 12:2 para sermos transformados pela renovação da nossa mente deixou sempre na minha mente uma pergunta. Como é que este processo funciona? Que papel tem o cérebro neste processo de transformação?
Será este processo semelhante ao que alguns gurus propõem - que podemos realmente controlar os nossos próprios pensamentos e gerar energia positiva, energia que nos conduzirá no sentido de alcançarmos o que desejamos, incluindo o sucesso espiritual? Estará a renovação da mente ao alcance da humanidade, na medida em que trabalhemos conscientemente sobre os nossos padrões de pensamento?
Um olhar mais atento a Romanos 12:2 traz à luz o facto de o verbo 'ser transformado', ser um verbo passivo. Nós não nos podemos mudar. O próprio Jesus relembra-nos claramente de que os maus pensamentos e todos os tipos de tendências pecaminosas procedem do coração humano (Marcos 7:15, 20-23). A escritora Ellen White relembra que "não podemos mudar o nosso coração, nem reger os nossos pensamentos, impulsos e afeições".1
Portanto, embora os proponentes da gestão do pensamento digam que o poder para mudar, reside no interior do indivíduo, o Cristão compreende que a mente natural é de tal modo corrupta e vil que nunca será capaz de dar a volta à situação. A nossa única esperança está no Espírito do Senhor, que nos pode transformar na imagem que podemos ver, como num espelho, a imagem da glória do Senhor (II Coríntios 3:18).
Axónios, Dendrites - e Mudança
O que acontece, realmente, no cérebro, à medida que ocorre o processo de transformação? Cada célula ou neurónio "transmite sinais nervosos, do cérebro e para o cérebro, a cerca de 320km/h. O neurónio é composto por uma célula-corpo (ou soma) com dendrites ramificadas (recetores de sinal) e uma projeção chamada axónio, que conduz o sinal nervoso. Na outra extremidade do axónio, os terminais do axónio transmitem o sinal eletroquímico através de uma sinapse (o espaço entre o terminal do axónio e a célula recetora)".2
Os pensamentos ou as ações (estímulos) ativam a transmissão de substâncias eletroquímicas ao longo destes axónios e dendrites e, onde eles se ligam, nas junções neurais ou sinapses, são trocadas cargas eletroquímicas. À medida que estes axónios e dendrites se ligam, formam vias neurais. Quando estas ligações são repetidas ao longo do tempo, como quando um músico ensaia repetidamente, estas vias neurais tornam-se permanentes, formando aquilo a que chamamos "hábitos".
A partir do nosso nascimento, estas vias neurais estabelecem o nosso comportamento, e embora os hábitos possam ser formados, eles também podem ser "des-formados" quando escolhemos comportar-nos conscientemente de uma maneira diferente, traçando assim uma nova via neural. Ao longo do tempo, à medida que esta via neural é percorrida, forma-se um novo hábito. Por outras palavras, o cérebro é capaz de se reconectar a si mesmo ao longo da vida, "dependendo da natureza dos seus pensamentos. Certos pensamentos sustentados, produziram diferenças físicas mensuráveis e alteraram a sua estrutura".3 Este conceito de 'neuro-plasticidade' - a capacidade de adaptarmos e mudarmos as nossas redes neurais que continuam a transformar a estrutura do cérebro - apoia inteiramente o conceito bíblico de transformação espiritual. Sim, nós podemos ser transformados!
Como é que Funciona?
Portanto, como é que a gestão do pensamento funciona para um Cristão que deseja afastar-se do seu egocentrismo e caminhar em direção a um estilo de vida centrado em Deus, que coloca Cristo e a Sua vontade como prioridade máxima?
Em primeiro lugar, quando Deus toma a iniciativa de plantar um pensamento na nossa mente, convidando-nos a entregarmos-Lhe a nossa vida, nós respondemos com a escolha consciente de nos entregarmos a Ele e também de lhe entregarmos os nossos motivos egoístas. As ideias e as imagens que percorrem a nossa mente necessitam, constantemente, de ser purgadas do Eu e este é um processo longo - o trabalho de uma vida inteira.
Ellen White comenta que, quando Deus nos convida à mudança, "então Ele operará em nós o querer e o efetuar, segundo a Sua aprovação. Assim, a nossa natureza toda será posta sob o domínio de Cristo".4
Portanto, Deus é o iniciador e o agente da mudança - não somos nós. Da nossa parte, necessitamos de "aplicar o nosso pensamento à Palavra de Deus. Devemos, ponderadamente, acolher essa Palavra, demorarmo-nos nela, ponderar o seu significado, explorar as suas implicações - especialmente no que diz respeito à nossa própria vida. Devemos, ponderadamente, colocá-la em prática. Ao fazê-lo, seremos assistidos pela graça de Deus de formas muito para além de tudo o que conseguimos compreender por nós mesmos; e as ideias e as imagens que governaram a vida de pensamento de Cristo vão apoderar-se de nós".5
Portanto, a adoração a Deus através da Sua Palavra, com reflexão, meditação e oração, tem o profundo efeito de nos mudar gradualmente, à medida que investimos tempo para convivermos com Deus, tal como Ele é apresentado na Bíblia. O estudo reflexivo (e não apenas correr pela Bíblia para completar a sua leitura integral num ano) é crucial neste processo transformador. Um famoso teólogo diz que "a adoração é a força mais poderosa na realização e sustentação da formação espiritual da pessoa como um todo".6
Transformado pelo Espírito de Deus
À medida que adoramos de um modo lento, despreocupado e significativo, Deus reorganiza os nossos pensamentos; Ele muda a nossa visão do mundo, os nossos paradigmas, para vermos as coisas do ângulo de Deus e não da nossa perspetiva egocêntrica. Quando tais intuições ocorrem no cérebro, à medida que meditamos sobre as Escrituras, precisamos de submeter os nossos pensamentos à autoridade de Jesus, para que Ele nos possa mudar, de modo a sermos como Ele e a termos a Sua mente.7
Os estímulos enviados às células cerebrais durante a adoração serão as promessas de Deus, a Sua instrução, a Sua correção e os Seus mandamentos. Em lugar de percorrermos aquelas velhas vias neurais de comparação com os outros (de ver como posso obter o melhor para mim ou como posso passar à frente dos outros), esses neurónios começam a criar novas associações. Novas vias neurais emergem, que buscam glorificar Deus e estabelecer o Seu reino; novas iniciativas sobre como servir melhor os outros, intuições criativas sobre como remendar uma relação destruída, levam os nossos neurónios, axónios e dendrites a criarem ligações novas em folha.
Este processo transformador de santificação não pode ser apressado, leva tempo - tempo devocional diário, a sós com Deus. À medida que passamos tempo na Sua presença, a transformação do modo de pensar ocorre, um passo de cada vez. Paulo sabia do que estava a falar quando escreveu sobre a mudança que Deus pode realizar em nós, "não nos forçando, mas trabalhando no nosso interior, com o Seu Espírito, agindo profundamente e gentilmente, de modo que compreendamos as extraordinárias dimensões do amor de Cristo e experimentemos a sua profundidade, a sua largura e a sua altura". Apenas, então, nós poderemos "viver vida plena, cheia da plenitude de Deus" (Efésios 3:18-20, tradução Message).
A transformação espiritual é um processo único, tanto individual como coletivo, pelo qual crescemos até à imagem de Jesus Cristo e começamos a pensar e a agir como Ele, mesmo enquanto ainda estamos nesta Terra. Não podemos fazer isto por procuração; o indivíduo tem que o experimentar em primeira mão. Depois de o experimentarmos individualmente, o processo impele-nos a alcançarmos os outros; por isso é um processo 'coletivo', porque a formação espiritual é o processo de se ser conformado à imagem de Cristo, para o bem dos outros.8
Transformação em Lavador de Louça
Considere a seguinte história, na qual Romanos 12:2 trata de reprogramar as vias neurais de um recém-convertido, um homem reformado.
Lavar pratos não faz parte do seu reportório de comportamentos adquiridos, mas, à medida que o marido A faz a sua meditação em que adora a Deus, Ele abre-lhe os olhos para ver o quanto a sua mulher, dona de casa, tem trabalhado, gerindo eficientemente a casa, durante muitos anos, para que ele possa regressar a um lar com um ambiente limpo e atrativo. O Espírito Santo sussurra-lhe: "Não é já tempo de lhe mostrares a tua apreciação genuína?"
A cada refeição ele é relembrado pelo toque do Espírito e, como resposta, os seus neurónios começam à procura de uma outra via. Em lugar de se levantar no final da refeição e dirigir-se para a sua cadeira favorita, ele agora levanta-se, recolhe os pratos sujos, e dirige-se para o lavatório da cozinha para os lavar. O queixo da sua esposa fica caído de espanto; ela não consegue compreender o que se está a passar.
Desde o momento em que o Espírito Santo falou com ele e que o marido A tomou aquela decisão consciente, até ao instante em que ele recolhe os pratos sujos, os neurónios estão ocupados a criar estas novas ligações, abandonando os velhos circuitos de caminhar até ao sofá e desfrutar de uma leitura tranquila. Em vez disso, os impulsos elétricos enviados para os músculos através das novas ligações levam o homem a caminhar até ao lavatório da cozinha com a pilha de pratos sujos. Estas novas ligações, se realizadas repetidamente, começam a criar uma impressão cada vez mais profunda e fortalecem esta nova rede para formarem um hábito - o hábito de carregar o fardo de outro. (...)
Considere o seguinte pensamento, baseado numa década de investigação sobre a transformação espiritual: "Viver profundamente não requer retirar-se para o topo de uma montanha ou iniciar uma jornada própria de um herói; pelo contrário, a convergência da vida e da prática é sobre 'o regresso do herói' - retorno no qual você traz os frutos da sua jornada de autodescoberta para casa, para a sua vida, para a sua família e para a sua comunidade."9
A verdadeira transformação espiritual não pode ser limitada à privacidade da jornada de um indivíduo; deve - no curso do seu desenvolvimento natural - ter impacto na vida dos outros e aceitar a ordem de Jesus para "irmos" (Mateus 28:18 e 19).
Apesar de reconhecermos que o processo de transformação é obra de Deus, o Cristão deve fazer a sua parte no investimento do tempo e do esforço, para criar o hábito de procurar Deus e executar as mudanças que são reveladas por Ele. No final da jornada da vida, talvez o melhor que possamos fazer será descrever os nossos fracos ganhos, na gestão dos nossos pensamentos e do nosso progresso espiritual, como uma sinfonia inacabada, que aguarda a sua conclusão quando Jesus regressar.
Sally Lam-Phoon, Diretora do Departamento dos Ministérios da Família da Igreja Adventista do 7ª Dia, Kyonggi-do, República da Coreia do Sul, Divisão da Ásia do Norte e Pacífico in Sinais dos Tempos, 4º Trim. 2012.
Referências:
1. Ellen White, Mente, Caráter e Personalidade, vol. 2, Casa Publicadora Brasileira. Tatuí, SP, 1996, p. 420.
2. www.enchantedlearning.com/subjects/anatomy/brain/Neuron.shtml, acedido em 2 de agosto de 2010.
3. Lynne McTaggart, "Entering Hyperspace" in Measuring the Immeasurable: The Scientific Case for Spirituality, Sounds True, Boulder, Col., 2008, p. 346.
4. Ellen White, A Ciência do Bom Viver, Publicadora Atlântico, Sacavém, 1990, p. 176.
5. Dallas Willard, "Transformation of the mind" in Spring Arbor University Journal, verão 2003, p. 1. www.dwillard.prg/articles/artview.asp?aertID=120, acedido em 16 de agosto de 2010.
6. Idem
7. Ver Max Lucado, Grace for the Moment, Thomas Nelson, Nashville, Tenn., 2000, p. 297.
8. M. Robert Mulholland, Jr., Invitation to a Journey: A Road Map for Spiritual Formation, InterVarsity, Downers Grove, III, 1993, p. 12.
9. M. M. Shclitz, C. Vieten e T. Amorok, "Living Deeply" in Measuring the Immeasurable, p. 457.